quinta-feira, 19 de agosto de 2010

CHAKARUNA


Há séculos nosso continente é sistematicamente saqueado. Daqui partiam, de diversos portos, navios cheios de ouro, prata e outras riquezas para manter a opulência das cortes européias, insensíveis ao fato de que isso provocava a morte indiscriminada de homens mulheres e crianças.

Mas além dessa rapina, queriam calar também nossa alma, nossas emoções e sentimentos, destruindo quaisquer vestígios de nossas crenças, visões e identidades. A dança folclórica QUISHPI CÓNDOR é uma das expressões mais valiosas e comoventes da resistência de um povo na defesa de sua identidade. Ela tem como base um DEUS TUTELAR da cosmovisão e religiosidade ancestral andinas: KUNTUR (condor), com sua natureza selvagem e bravia.

Quishpi é o nome quéchua do cristal branco, que decompõe a luz nas sete cores do arco-íris. Por seu significado é PEDRA DO ARCO-ÍRIS. E o arco-íris é entendido nos Andes como um ato de amor entre o céu e a terra. Dessa forma, a dança do Quishpi Condor relaciona-se com o arco-íris, a alvorada, a abertura de caminhos, o ensinar o filhote a bater as asas e voar. Vincula-se, ainda, com a luta do mundo, a confrontação dos caminhos de terra e pedra, representados na boleadeira que os dançarinos carregam.

Quishpi é um ser luminoso e translúcido como a estrela da manhã, que antecede a chegada de Inti, o Sol. Pai e protetor dos curacas, que o adoravam oferecendo-lhe o molusco da mullu (cuja concha torna-se, então, instrumento sagrado). Ele é um deus tutelar, um guardião, um enviado, um ser das alturas posto ali para preservar a ordem contra todo mal. É o pajem de Inti, seu servidor e acompanhante; quem o anuncia, o guarda e vela por ele. É seu representante e mensageiro: a ALVORADA ANDINA, que mistura fogo e vento nas asas do condor. É a primeira luz chamando para o trabalho, a primeira visão do dia, o primeiro amor e o primeiro símbolo.

No amanhecer encontramos, também, a brisa tênue, como uma criança nascendo das plumas do condor, que plana no alto com suas asas abertas. Por isso, essa dança ritual – que remete ao condor e seu vôo circular – envolve a idéia de liberdade, de ser intocado, de estrela que algum dia renascerá.

O condor é um símbolo andino muito antigo de grandeza, de força e poder. Em primeiro lugar por seu vôo naquelas alturas. Ele se eleva até regiões em que nenhuma outra ave chega; conhece os ventos e sabe seguir suas correntes mesmo nas tempestades. Ele domina o mundo. Às vezes fecha suas asas e se deixa cair quase verticalmente até poucos metros da terra... para então abri-las novamente e pousar suavemente, sem ruído algum. Não compartilha seu cotidiano com outras aves; e um ser das alturas, distante, orgulhoso e soberano.

A sobrevivência do Quishpi Condor nos dá uma grande mensagem de esperança e utopia: nossas raízes e nossa essência ainda vivem. Essa dança é uma expressão heróica da resistência cultural no caminho da libertação. Precisamos reconhecer o heroísmo não apenas nos campos de batalha, mas em nossos feitos culturais, por manterem vivos nossos Deuses. O Quishpi é a presença de uma força ancestral que não nos deixa perder nossa identidade e, pelo contrário, a mantém viva aqui e agora.


O Quishpi Condor é mais do que aparenta ser: é um labirinto que esconde um tesouro, um conjuro, um sortilégio, um oráculo. Ele é o recipiente de uma cosmogonia, de um corpo de crenças e visões sobre o mundo e a vida, simbolizados no totem do condor.


 
Baseado no texto de Danilo Sánchez Lihón

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