terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Que é um Milagre?

O Que é um Milagre?

Rabino Eliahu Birnbaum
Parashat Beshalach

Desde os tempos remotos, as histórias sobre os milagres despertam grande interesse. Em nossa parashá ocorrem dois dos milagres mais interessantes e conhecidos: a separação das águas do Mar Vermelho e a provisão do “maná” (comida que D-us fez chover diariamente ao povo de Israel durante os quarenta anos que permaneceram no deserto).

O primeiro milagre, o da abertura do Mar Vermelho, foi um milagre momentâneo e único; D-us converteu o mar em terra seca para que o povo Judeu pudesse atravessá-lo e salvar-se da ameaça egípcia.

O segundo milagre, a provisão do “maná”, foi um milagre contínuo. Este milagre permaneceu durante os quarenta anos ao longo da travessia pelo deserto. O “maná”  alimentou os milhões de judeus que perambularam pelo deserto, que não tinham a possibilidade de procurar o seu próprio sustento.

Pelo fato de estarem no deserto, os filhos de Israel deveriam sobreviver sobre a base dos milagres. Lutaram e venceram nas guerras do deserto graças a milagres, e se alimentaram diariamente através de milagres. Desde o momento em que pisaram em Eretz Israel, o povo de Israel já não se mantinha através dos milagres, começando sua vida normal, que não poucas vezes se viu caracterizada pela ocorrência de milagres.

Para poder analisar os milagres da Bíblia, é necessário chegar a uma definição do termo “milagre”, e então diferenciarmos o que é e o que não é, realmente, um milagre.

Cada estilo literário e cada filosofia religiosa que se refere à existência de milagres devem oferecer-nos sua própria versão do que constitui um milagre. Existem os que ampliam a conotação deste termo para englobar numerosas expressões, enquanto que outros a restringem a poucas possibilidades. No famoso conto de fadas “Alice no País das Maravilhas”, por exemplo, os milagres constituem normas, e segundo nos diz o relator: “Alice estava tão acostumada com os milagres, que apenas os acontecimentos naturais da via a surpreendiam...”

A definição de “milagre” que corresponde a esta história não é a mais adequada para o Tanach (Bíblia).

A mera identificação da ocorrência de um milagre no Tanach não constitui um trabalho fácil. Por isso mesmo, é difícil de elaborar uma lista dos milagres produzidos na Bíblia, logo, existem várias versões desta tal lista. Existem os que a abundam e os que a abreviam.

Certamente todas essas listas contêm a separação das águas do Mar Vermelho e a queda das muralhas de Jericó. Porém, seriam também milagres, a Criação do Mundo, o Dilúvio, a fertilidade das mulheres estéreis?

O homem moderno tende a considerar os milagres como ocorrências extraordinárias, fatos que constituem exceções às leis da natureza. Já o homem de fé, ao invés, vê o milagre como parte da natureza, como um elemento orgânico que resulta do domínio de D-us sobre o mundo. O milagre é uma continuação da Criação do Mundo, como se fosse uma pincelada que o artista agrega para completar sua obra.

Na literatura de nossos sábios, existe uma tendência a incluir os milagres no processo da Criação, explicando que estes milagres foram determinados no momento mesma da Criação, de maneira completa e definitiva. “Dez coisas foram criadas na sexta-feira à tarde antes de finalizar a criação: a boca da terra que engoliu a Korach, o asno de Bilam, o arco íris, o maná, etc” (Talmud – Avot).

Apesar de que existem milagres que ultrapassam a existência de leis naturais, o milagre não é uma nova criação que o mundo não desconheça até então, não acrescenta ao mundo novos elementos. Os elementos que constituem um milagre nos são familiares porque pertencem a vida cotidiana. O milagre consiste em uma mudança na organização destes elementos familiares, “uma mudança na ordem da Criação”.

O milagre é como uma pintura surrealista, na qual do limites estão opostos, os inferiores sobem, os superiores descem, o alimento cai das alturas (o “maná”) o homem sobe aos céus (Moshe e Eliahu), o mar e os rios se transformam em terra seca (a abertura do Mar Vermelho e do rio Jordão), os mortos ressuscitam (o jovem do profeta Eliahu), os seres e as matérias se alteram (a água se converte em sangue, o bastão em serpente) e existem seres que não se comportam de acordo com sua natureza ( um asno que fala, um peixe que traga um ser humano).

O Tanach nos proporciona milagres de outro tipo: as “aparições” de um ser, objeto ou pessoa num certo lugar, exatamente no momento em que é preciso que apareça. No livro de Gênesis, quando um anjo anuncia a Hagar que Ishmael não morrerá de sede, está escrito: “E D-us fez com que abrisse seus olhos e ela viu um poço de água”; o descobrimento do poço ocorreu no momento adequado para que o jovem não morresse de sede.

Buber, em seu livro Or Haganuz, nos traz uma belíssima historia chassidica, que nos ensina que a aparição de uma situação especial num momento adequado constitui também um milagre: “Um investigador da natureza chegou até o Baal Shem Tov e disse: ‘em minhas investigações aprendi que no momento da travessia do Mar Vermelho pelo povo de Israel as águas deveriam baixar de forma natural. Por que então, o consideramos um milagre?’ O Baal Shem Tov respondeu: ‘Tu sabes que foi D-us quem criou a natureza, não sabes? Logo, Ele a criou de forma tal que as águas do Mar Vermelho deveriam baixar no momento exato em que o povo de Israel deveria atravessá-lo. Isso não é um milagre?’”

A religião judaica aceita a possibilidade de ocorrência de milagres. O problema consiste em definir quando este ocorre e proporcionar as bases teológicas para sua ocorrência.

O judaísmo acredita na realidade Divina e no controle do mundo, porém não existe a exigência de acreditar em milagres, tal como ocorre em outras crenças. Isto significa que o milagre não constitui uma parte essencial na fé judaica, mas é um meio para conseguir certos objetivos.

Por isso, os milagres não aparecem no texto com o fim de divertir ou preocupar, mas para despertar a fé e educar o ser humano.

Na realização da maioria dos milagres existe uma cooperação entre D-us e o homem (as pragas do Egito, a transformação da água em sangue), Na abertura das águas do Mar Vermelho, os judeus se queixam perante Moshe e protestam diante de D-us. Moshe promete a libertação Divina e D-us lhe indica o que deve fazer. Moshe levanta seu cajado, porém é D-us quem desvia os ventos e abri o mar.

A diferença do milagre e magia é que, o primeiro é uma obre Divina, enquanto que o encantamento ou a magia são obras humanas; a magia limita o processo Divino e aproxima o mago da qualidade de D-us. Ao invés disso, o milagre é um sinal do domínio da justiça Divina, enquanto que a magia é utilizada pelo homem segundo sua necessidade e conveniência.

Para finalizar esta breve explicação sobre o fenômeno do milagre, devemos afirmar que do próprio fato da existência de milagres ao longo da história judaica, aprendemos sobre a natureza do D-us de Israel. O D-us de Israel é o D-us da história. Não está afastado do homem que vive sobre a terra, e sim controla o que acontece, intervindo na realidade, às vezes mediante a mesma realidade, outras vezes através do milagre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário